Candidatura fake, 10 votos, conta zerada e sobrenome conhecido: esquema para burlar cota de gênero pode atingir diretamente o clã político de Ouro Preto do Oeste
Uma candidatura sem um panfleto sequer, com conta bancária zerada, nenhuma movimentação de campanha, 10 votos nas urnas e sobrenome que ecoa nos corredores do poder. Essa é a fórmula perfeita da fraude à cota de gênero que pode custar caro para o PL de Ouro Preto do Oeste — e colocar na linha de tiro um nome central da política local: Alex Testoni Filho, o “Ninho”.
A candidata em questão é Eliane Socorro Sodré da Silva, registrada sob o número 22200 nas eleições de 2024. Irmã de Evilânio Sodré, coordenador da campanha do vereador reeleito Mileniker Freitas, o “Milão”, Eliane teria sido lançada para cumprir exclusivamente a exigência legal da cota mínima de 30% de candidaturas femininas, conforme o art. 10, §3º da Lei nº 9.504/1997. Só que o cenário que se desenhou desde então é tudo menos legal: Eliane não fez campanha, não recebeu recursos, não prestou contas com qualquer despesa e não teve nenhuma atuação política visível. Recebeu apenas 10 votos — número típico de candidaturas fictícias, já reconhecidas como irregulares pelo Tribunal Superior Eleitoral.
O mais grave: a candidatura foi homologada oficialmente por Ninho Testoni, presidente do diretório municipal do PL e subscritor do DRAP (Demonstrativo de Regularidade dos Atos Partidários), que atesta, sob fé pública, a legitimidade da chapa. Com base nisso, a denúncia já chegou à Polícia Federal, e os documentos não deixam dúvidas: há fortes indícios de falsidade ideológica eleitoral — crime previsto no artigo 350 do Código Eleitoral, com pena de até cinco anos de prisão para cada envolvido.
A prestação de contas oficial da candidata, protocolada em 13/09/2024, registra absolutamente nenhuma receita ou despesa. Nenhuma contratação de equipe, nenhuma peça gráfica, nenhum gasto com gasolina, publicidade ou reuniões. No Instagram e Facebook, a candidata também permaneceu em silêncio absoluto durante todo o período eleitoral. Não há sequer uma menção à disputa. O que há é um sobrenome — Sodré — que aparece em diversos círculos do poder local, inclusive no próprio organograma informal do clã político testonista.
Chapas derrubadas
O cenário já é conhecido da Justiça Eleitoral. Em Vilhena, por exemplo, o juiz da 4ª Zona Eleitoral cassou a candidatura de Gabriel Graebin (PRD) após constatar que sua nominata foi formada com uma candidata de fachada: Odineia Gomes, que teve zero votos e nenhuma atividade de campanha. A AIJE (Ação de Investigação Judicial Eleitoral) foi acolhida, e o partido sofreu duras sanções, mesmo passados meses da eleição.
Em Rolim de Moura, o Ministério Público propôs quatro ações eleitorais por fraude à cota de gênero nas eleições de 2024. Em todos os casos, os indícios seguiam o mesmo padrão: candidaturas femininas lançadas sem estrutura, sem campanha, com baixa votação e contas zeradas. O Judiciário rondoniense vem aplicando o entendimento da Súmula 73 do TSE, que permite desconstituir o DRAP e anular toda a chapa proporcional se comprovada a fraude.
Outro caso emblemático foi registrado em Cujubim, onde o vereador Haroldo (PSD) teve o mandato ameaçado após o MP apurar que a chapa havia utilizado candidaturas femininas irreais. O caso ainda tramita, mas já serviu como recado: a Justiça tem agido, mesmo tardiamente.
E em Ouro Preto?
Aqui, o enredo é mais complexo — e mais sensível politicamente. O presidente do partido é filho de Alex Testoni, prefeito reeleito de Ouro Preto e nome mais longevo da política local. Ninho, que tenta se consolidar como sucessor direto do clã, poderá ver seus planos frustrados antes mesmo da largada. Se o Ministério Público Eleitoral entender que houve falsidade ideológica — e a documentação é farta — ele poderá ser denunciado criminalmente e condenado antes do prazo de registro de candidatura para 2026.
Mais que isso: uma ação de improbidade administrativa pode ser ajuizada com base no uso indevido do sistema eleitoral e da verba pública destinada ao fundo de campanha — ainda que esta não tenha sido movimentada pela candidata. O simples uso instrumental de uma candidatura falsa para atender uma obrigação legal já caracteriza desvio de finalidade e dano ao processo democrático.
A depender da velocidade e do rigor das instituições, Ninho Testoni poderá ser tornado inelegível por até oito anos, com base na Lei da Ficha Limpa, caso haja condenação por órgão colegiado.
Assinatura
O DRAP do PL, que oficializou a chapa proporcional contendo Eliane Sodré, foi assinado por Ninho, conforme documento emitido pela Justiça Eleitoral em 7 de agosto de 2024. Isso faz dele o responsável formal por garantir a veracidade das informações e a autenticidade da nominata. Se a fraude for reconhecida, a responsabilidade recai diretamente sobre quem subscreveu os documentos.
E agora?
A denúncia foi encaminhada à Delegacia da Polícia Federal de Ji-Paraná e ao Ministério Público Eleitoral. Caberá às instituições decidirem se instauram investigação penal e ação por improbidade. O tempo corre, mas o histórico recente mostra que não há mais blindagem automática para líderes políticos em municípios médios.
Com isso, Ouro Preto do Oeste poderá, mais uma vez, ser palco de um novo embate judicial que coloca em xeque a integridade de um dos grupos mais influentes do interior de Rondônia, e que insiste em tratar a legislação eleitoral como mero protocolo de fachada.
COMMENTS